Nesta semana fui convidado por uma amiga querida a trocar a imagem de meu perfil no Facebook por uma de algum personagem que habitou minha infância, de desenho animado ou história em quadrinhos. A intenção de minha amiga era homenagear as crianças pela proximidade de seu dia, em 12 de outubro. Achei a idéia bem legal, por isso troquei a minha imagem, e notei que centenas de pessoas fizeram o mesmo; as páginas do Facebook estão apinhadas de Mickeys, Patetas, Cebolinhas, Cascões, super heróis de todo o tipo, Meninas Super Poderosas, etc...
Ficou lindo! Tem cores de festa, com gosto de pipoca, cachorro quente, algodão doce e refrigerante.
Isso me fez pensar no quanto queremos libertar nossas crianças internas...mas será isso mesmo? Sabemos que o ambiente da internet nos deixa mais ousados, afinal, não estamos frente a frente com ninguém.
Quantas são as pessoas que sabem e admitem que dentro de cada um de nós reside uma criança, um ser em eterna formação?
Eu me lembro da minha infância. Achava tudo espetacular. Cada pequena coisa que via era um acontecimento gigantesco, merecedor de ser noticiado. Eu ficava fascinado quando algum avião sobrevoava a cidadezinha onde cresci, eu fiquei boquiaberto quando vi, pela primeira vez, uma formiguinha carregar um graveto várias vezes maior que ela, fiquei assustadíssimo quando vi uma estrela cadente. E a Lua então? Mesmo que eu a visse todos os dias...puxa vida! Eu tinha um esconderijo, e nele havia uma caixa de sapatos com meu tesouro; alguns carretéis de linha, o cabo de uma faca de cozinha, algumas tampinhas de garrafa e caixas de fósforo vazias. Meu tesouro. Meu esconderijo.
Se doía, eu chorava, se eu gostava, falava, se tinha medo, eu corria, se não sabia, perguntava.
Eu era o maior jogador de futebol do mundo, o astronauta que pisou na lua, o mocinho, o super herói, o menino esperto da série Perdidos no Espaço, o moleque que corria mais rápido...
Todos os dias eram uma imensidão de novidades, de descobertas e sustos.
O tempo foi passando, e adquiri algumas noções de aviação, de biologia, astronomia, deixei para trás no tempo o meu esconderijo e meu tesouro, eles foram perdendo a utilidade para mim.
Hoje sou marido e pai, homem feito, adulto. Não admiro mais a natureza com a mesma sensação de descoberta, avião passou a ser mero meio de transporte, meu tesouro passou a atender pelo nome de dinheiro, convenções norteiam minhas atitudes constantemente e pouco olho para a Lua.
O universo perdeu sua beleza? Os dias deixaram de ser uma nova chance para descobertas e vida intensa? Ou eu apenas escondo a minha criança interior?
É assim com você também?
"Em todo adulto espreita uma criança - uma criança eterna, algo que está sempre vindo a ser, que nunca está completo, e que solicita cuidado, atenção e educação incessantes. Essa é a parte da personalidade humana que quer desenvolver-se e tornar-se completa".
C. G. Jung
A criança que fui chora na estrada.
ResponderExcluirDeixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
FERNANDO PESSOA - A Criança que fui...
A Menina Avoada
ResponderExcluirFoi na fazenda de meu pai antigamente.
Eu teria dois anos: meu irmão, nove.
Meu irmão pregava no caixote duas rodas de lata de goiabada.
A gente ia viajar.
As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:
Uma olhava para a outra.
Na hora de caminhar
as rodas se abriam para o lado de fora.
De forma que o carro se arrastava no chão.
Eu ia pousada dentro do caixote
com as perninhas encolhidas.
Imitava estar viajando.
Meu irmão puxava o caixote
por uma corda de embira.
Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.
Eu comandava os bois:
- Puxa. Maravilha!
- Avança. Redomão!
Meu irmão falava
que eu tomasse cuidado
porque Redomão era coiceiro.
As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.
Meu irmão desejava alcançar logo a cidade –
Porque ele tinha uma namorada lá.
A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.
Isso ele contava.
No caminho, antes, a gente precisava
de atravessar um rio inventado.
Na travessia o carro afundou
e os bois morreram afogados.
Eu não morri porque o rio era inventado.
Sempre a gente só chegava no fim do quintal.
E meu irmão nunca via a namorada dele –
Que diz-que dava febre em seu corpo.
Barros, Manoel de. Exercícios de ser criança.
Rio de Janeiro: Salamandra, 1999.
Olhe só isto...Me sinto assim...Ainda bem, eu acho!!!!
ResponderExcluir"E de repente a vida te vira do avesso,
e você descobre que o avesso...
É o seu lado certo."
Caio Fernando Abreu